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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Carta de Luiz Ramirez (1528)

Introdução ao texto. 



Com a presença de Sebastião Caboto de outubro de 1526 a fevereiro do ano seguinte na Ilha de Santa Catarina, a que deu então o nome que agora tem, aumentou a informação sobre a região, que de futuro se tornaria o Estado com este mesmo nome.

    Pertence ao documentário geral relativo a Sebastião Caboto, parte de uma longa missiva com a data de 10 de julho de 1528, que descreve a Ilha de Santa Catarina e os acontecimentos que nela estão sucediam, escrita por um dos seus marujos, o espanhol Luiz Ramirez. Foi esta carta enviada a seu pai, tudo depois de haver saído a armada da Ilha de Santa Catarina e já se encontrar dois anos em San Salvador em Rio La Plata.

    Representa a carta de Luiz Ramirez para a Ilha de Santa Catarina algo similar à de Pedro Vaz Caminha, de 1500, com referência ao Brasil. Era Luiz Ramirez pessoa bem informada e que viajara com o próprio Sebastião Caboto, na Capitânea, que houvera naufragado na Baía Sul da Ilha de Santa Catarina.
    
    A carta, depois de narrar o aportamento em Pernambuco e referir-se às bondades dos moradores e aos indígenas daquelas costas nordestinas, descreve ainda longamente o curso ao longo da costa, na qual se perdeu um batel, episódio que motivou o aportamento na Ilha de Santa Catarina, para finalmente abordar os acontecimentos aqui acorridos.
    E. Pauli.


         1. "As naus desfizeram-se de alguns objetos inúteis para dar lhes alívio. A nau capitania perdeu o batel que trazia na popa.        A tormenta, da maneira como tenho dito, e muito pior, nos durou toda a noite até domingo. Amanheceu o dia com muito e bom sol como se não houvesse passado nada, e assim andamos até que sexta feira seguinte, dezenove do dito mês (de outubro), chegamos a surgir em uma Ilha através a uma grande montanha, por que parecera ao Capitão General ser aparelhada de madeira para fazer batel para a nau capitania, porque, como digo, na tormenta passada havia perdido o seu.

        2. E estando nisto, vimos vir uma canoa de índios, a qual veio à nau capitania, pôr sinais no deu a entender que havia ali cristãos. O que ainda não acabado de entender, o senhor Capitão General lhes deu a estes índios algum resgate, os quais foram muito contentes.
        Estes índios, segundo parece, foram por terra a dentro e deram novas de nossa vinda. De maneira que, outro dia de manhã, vimos vir outra canoa de índios e um cristão dentro dela.
        Este deu novas ao Sr. Capitão General como estavam naquela terra alguns cristãos, que eram até quinze, os quais haviam ficado da nau em que iam a negócio (à la especiaria) em que ia por Capitão General o Comendador Loaysa, e aqueles iam em uma nau em que ia como Capitão Don Rodrigo de Acuña, e porque a dita armada se havia desbaratado no Estreito e eles não quiseram volver à Espanha, seu Capitão os havia deixado ali.

        E também disse de outros cristãos, que se diziam Melchior Ramirez, vizinho de Lepe, e Enrique Montes, os quais disse haviam ficado de uma armada de Juan de Solis, que neste rio (de onde Luiz Ramirez está escrevendo sua carta) onde agora nós estamos os índios haviam morto e desbaratado, e que havia mais de treze ou quatorze anos que estavam naquela terra e que estavam doze léguas dalí, os quais ditos cristãos, como dos índios souberam estar ali a armada de cristãos.

        3. E logo o Enrique Montes veio à nau capitânia, e falando em muitas coisas com o Sr. Capitão General de como haviam ficado naquela terra, vieram a dizer o que dito tenho; e como também a grande riqueza que naquele rio onde mataram o seu Capitão havia, do que por estar mui informados por causa de sua língua dos índios da terra de muitas coisas, as quais direi aqui algumas delas; e era que, se o queríamos seguir, que nos carregaria as naus de ouro e prata porque estavam certo que entrando pelo rio de Solis, iríamos a dar em um rio que chamam Paraná e outros que a ele vêm a dar iam confinar em uma serra havia muita maneira, e que nele havia muito ouro e prata, e outro gênero de metal, que aquele não alcançava que metal era, mas de quanto ele não era cobre, e que todos estes gêneros de metal havia muita quantidade, e que esta serra atravessava pela terra mais de duzentas léguas, e na fralda dela havia assim mesmo muitas minas de ouro e prata e outros metais.
        E este dito dia sobre a tarde veio à mesma nau capitânia, seu companheiro; porque ao tempo que souberam da nossa vinda, não estavam juntos, e como cada um o soube, pôs-se a vir. Este também disse muito bem da riqueza da terra; disse haver estado no rio de Solis como língua de uma armada de Portugal.

        4. E o Capitão General, para mais se certificar da verdade disto, lhe perguntou se tinham alguma amostra daquele ouro e prata que diziam, ou outro metal que diziam, os quais disseram ficaram ali sete homens de sua armada, sem outros que por outras partes se haviam apartado, e que destes eles dois só haviam ficado ali estando na terra; e os demais vista a grande riqueza da terra, e como junto a dita serra havia um rei branco que trazia bar... (rasgado) vestidos como nós, se resolveram ir lá; para ver o que era, os quais foram e lhes enviaram cartas; e que ainda não haviam chegado às minas, mas já haviam tido palestra com uns índios próximo à serra e que traziam nas cabeças uma coroa de prata e umas pranchas de outro penduradas ao pescoço e nas orelhas, unidas por cintos, e lhes enviaram doze escravos e as amostras do metal que tenho dito, e que lhes faziam saber como naquela serra havia muita riqueza e que tinham muito metal recolhido, para que fossem lá com eles, os quais não se quiseram ir, porque os outros haviam passado por muito perigo por causa das muitas gerações que pelos caminhos que haviam de passar havia; e que depois haviam recebido novas que estes seus companheiros, retornando adonde eles estavam, uma geração de índios que se dizem os guaranis os haviam morto para tomar lhes os escravos que traziam carregados de metal, o que nos outros achamos agora por certo no que descobrimos pelo Paraná acima, como adiante direi a Vossa Mercê.

        5. E logo o Sr. Capitão General lhes disse ensinassem o que diziam lhes haviam enviado seus companheiros: os quais disseram que quatro meses antes, pouco mais ou menos, antes que chegássemos a este porto dos Patos, que assim se chamava onde se achavam, chegou ao dito porto uma nau na qual vinha por Capitão o dito Don Rodrigo que Vossa Majestade digo, ao qual deram até duas arrobas de ouro e prata e de outro metal muito bom, com uma relação da terra, para que o levasse a Sua Majestade e fosse informado de terra tão rica.
        E que ao tempo que se lhe entregou no batel para leva-lo à nau, o batel submergiu com o muito mar que havia, de maneira que se perdeu tudo, e que então se haviam afogado com o dito batel, quinze homens, e que ele escapou a nado com a ajuda dos índios que entraram por ele, que por isso não tinham metal algum, salvo umas contas de ouro e prata, e que por ser a primeira coisa que naquela terra haviam obtido o tinham guardado para dar a Nossa Senhora de Guadalupe as quais deram ao Sr. Capitão General, e as de ouro eram muito finas, de mais de vinte quilates segundo pareceu.
        E que se o Sr. Capitão General quisesse tocar em dito rio de Solis, que eles iriam com suas casas e filhos e nos mostrariam a grande riqueza que havia nele e o Sr. Capitão General respondeu que era outro o seu caminho.

        6. E, por causa da muita necessidade que havia de batel para a dita nau capitânia que lhes perguntou, se havia por aí perto alguma montanha onde houvesse boa madeira para o dito batel, e responderam que ali junto aonde estávamos surtos, atrás daquela montanha alta, havia muito bom lugar.
        E logo o Sr. General mandou ir a sondar a entrada e o porto a um piloto e a um mestre, as duas pessoas em tal caso mais sábias e de quem mais crédito neste caso se pudesse dar. Eles vieram ao dito canal e o sondaram.
        Voltados, disseram ao Sr. Capitão General como o haviam sondado todo, e que podiam entrar as naus muito bem e sem nenhum perigo: o que pareceu o contrário, porque como a nau capitânia se fez à vela de onde estava surta, no domingo de Simão e Judas, que foi aos vinte e oito de outubro do dito ano (1526), ao querer passar, para entrar para trás da montanha, a dita nau capitânia tocou num baixio, e logo se inclinou a uma banda de maneira que não pôde mais ir para trás nem para frente, vendo-nos em grande perigo de vida a todos os que vínhamos na dita nau, por andar o mar algo levantado.
        Mas implorei a Nossa Senhora de nos salvar, de maneira que nenhuma pessoa pereceu.
        Todavia se salvou alguma parte do que nela vinha. Aqui perdi eu minha caixa com algumas coisas dentro, que me fizeram falta por haver-se alargtado a viagem mais do que pensávamos. E logo o Sr. Capitão vendo a nave perdida, passou a outra nau, e dali, como digo, pôr muita diligência para salvar que nela vinha; mas, como digo a Vossa Mercê, não foi tanto quanto quiséramos.

        7. E logo o Sr Capitão General determinou de entrar-se no rio com as outras naus que lhe ficavam antes que as tomasse algum temporal, que lhes fizesse dano, e depois de entradas em dito porto e amarradas as naus como convinha, e logo o Senhor Capitão General cuidou de saltar em terra e pôr em obra o que havia resolvido fazer.
        Logo fez fazer certas casas em terra para que a gente, que da dita nau se havia salvo, se recolhesse.
        O Senhor Capitão General vendo a melhor nau perdida e muita parte do mantimento, e que a gente não se podia recolher nas outras naus, por ser muita, resolveu fazer uma galeota que deslocasse pouca água e que fôssemos em descoberta do dito rio de Solis, pois estávamos informados da muita riqueza que nela havia, porque nisto se fazia mais serviço a Sua Majestade que na viagem que levávamos da maneira que esperávamos ir.

        8. Esta Ilha era muito alta de arvoredo (Esta isla era muy alta de arboleda), havia nela cinco ou seis casas de índios, e depois que a ela chegamos fizeram muitas mais, porque da terra firme vieram muitos e fizeram suas casas.
        Estes índios trabalharam muito, tanto para fazer casas para a gente como em outras coisas necessárias.
        Nesta ilha havia muitas palmeiras (palmos): neste porto nos traziam os índios infinitivos abastecimentos, como faisões, de galinhas, e perus, patos, veados, antas, que disto tudo e de outras muitas espécies de caça havia em abundância, e muito mel, e outra coisas de mantimentos, o que tudo se resgatava pela mão de Henrique Montes, pôr saber a qualidade dos índios melhor que outros, por se haver criado entre eles.
        As frutas desta terra são muito pequenas e poucas: todo mantimento é como o de Pernambuco, e a gente da mesma maneira e condição, salvo que aqui as mulheres casadas trazem umas mantinhas pequenas de algodão, de maneira que não andam tão desonestas como as que acima disse.

            9. Neste porto estivemos três meses e meio, dentro dos quais se acabou de fazer a galeota, ainda que antes se acabara de fazer senão enfermasse toda a gente, que era a terra enferma que a todos levou em sua rasura, que eu dou milha fé a vossa marcê que, segundo a gente que caiu de golpe, bem pensamos que perigara a maior parte; ali nos morreram quatro homens, e outros que sairam mal no seguimento de nossas viagem.
        A Juanico esteve aqui muito mal, e tanto em tanta maneira, que dou fé a Vossa Mercê que, pensei, se fosse o seu caminho; passei com o farto trabalho à falta do pouco refrigério que havia. Eu, graças a Nossa Senhora, me achei muito bem nesta terra que jamais cai doente, nem me doeu a cabeça nela; mas não me durou muito, porque faço saber a Vossa Mercê que no mesmo dia que deste porto de Santa Catarina que assim se lhe pôs nome saimos, que foi tão grande a enfermidade que me deu, que bem pensei ter chegado ao fim.
        Assim que, senhor, depois de acabada a dita galeota, e recolhida toda a gente nas naus, com todos os crinstão que ali achamos, saimos com bom tempo do dito porto a quinze de fevereiro do dito ano de 1527, e de onde a seis dias seguintes chegamos ao Cabo de Santa Maria, que é a Boca do rio Solis... eu vim de Santa Catarina até aqui na galeota, e como minha enfermidade foi muito grande, e como nela hvia muito pouco abrigo, passei infinitos trabalhos".

        10. (Depois de narrar a penetração pelo rio Paraguai, e a chegada de Cristóvão Jaques, o missivista conclui:)
"assim permaneço neste porto de San Salvador, que é o rio Solis, a dez dias do mês de julho de mil quinhentos e vinte e oito anos. O humilde e menor filho que beija as mãos de Vossa Mercê - Luiz Ramirez."

(Traduzido do texto puplicado por José Toríbio Medina. El Veneciano Sebastian Caboto, 1908, I p. 442-457)..
 http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/portugue.html

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