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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O APREÇO DOUTRAS CAUSAS -Teria de facto falhado o lavrador açoriano ?

O desejo de emigração, excluído o caso de espírito de aventura ou propósito deliberado duma actividade definida, é já uma rebeldia contra o seu meio ou uma manifestação de insuficiência. Nas colonizações dirigidas, não obstante as condições de selecção postas, não escasseia o número dos que tem menos aptidões. Até se explica e o justifica, o favorecimento e as ajudas do meio para a sua eliminação. É natural que muitos tivessem essa deficiência pessoal.

Teria de facto falhado o lavrador açoriano ? O caso só poderia ser apreciado em melhor campo com a identificação de todos os que seguiram, mas já quase perdemos a esperança, que as deligentes pesquisas de Raimundo Belo. nos encontrem as listas da inscrição dos casais. Mas ainda nos servem aqueles dados, que ele nos fornece, pelo menos para alguns deles de origem campesina, que essas chamadas se fizeram muito antes da primeira metade do século XIX, depois da qual, segundo o Dr. Oswaldo R. Cabral, «é que a agricultura em Santa Catarina, tentada com outros elementos, a ela dispostos e inclinados, com outros métodos e outras possibilidades, pôde ressurgir e prosperar a sua industrialização, fonte de toda a riqueza actual de Santa Catarina»

Naquele documento - «índice das concessões das sesmarias contidas no 2.° Tomo do Registo Geral» apresentado ao Congresso de História de Santa Catarina pelo prof. Custódio Campos (referência Brasília, Vol. V, relato do prof. Paiva Boléoj e nas relações que se encontram no livro Casaes, do general Borges Fortes, estará possivelmente a chave que possa abrir a porta do segredo, que nos oculta esse apreço.

O objectivo da colonização pela letra dos próprios editais convocatórios, pretendia fundar povoações, visando à formação de agregados populacionais de todas as actividades sociais, e para isso impunha a indicação — «pondo-lhe na matricula todos os signaes, que os possam distinguir. .. officios, ou exercício que tem afim de se lhes poderem dar os empregos proprios dos requizitos de cada hum». Talvez na descriminação destes mesteres, se fôsse possível apurá-la, se podesse encontrar o fundamento de triunfo para cada um dos que, segundo o autor da tese, «libertando-se da tirania da gleba, elevava-se para uma existência de acordo com os seus pendores e com as suas inclinações». Mas enquanto essa existência não começou a delinear-se, foi incontestàvelmente do trabalho dos da gleba que provinha o pão necessário que a todos sustentava.

Apontam os autores e perfilha essa razão o Dr. Oswaldo R. Cabral, que o serviço militar a que foram sujeitos muitos dos colonos, obrigada ou voluntàriamente, seria um dos grandes motivos da decadência em que caíram. Mas a principal razão, é mais natural encontrá- -la nas causas por eles apontadas sobre a inutilidade do trabalho à falta de possibilidades de transporte e consumo dos produtos. A agricultura infensifica-se sempre a par do desenvolvimento industrial e o que vem apontado respeitante a este sector, ainda não contava para o estimulo que podia trazer. Se é certo que o edital de 31 de Agosto de 1746, convidando à inscrição, prometia que «ficarão isentos de serviço nas trepas pagas, no caso de se estabelecerem no fim de dois anos, nos sitios que se lhes destinarem», o facto é que as necessidades de defesa impunham mais fortes razões, sem mesmo contar com estas que acabamos de apontar como meio mais expedito de trazer remuneração.

De resto, naqueles tempos a organização militar obrigava todos os homens à defesa comum pela constituição das companhias de ordenança, formadas nas freguesias rurais, com os seus quadros devidamente organizados. Na Provisão real de 9 de Agosto de 1747, que dá forma à acomodação dos povoadores, vem indicado que à sua chegada «em cada lugar dos sobreditos fareis levantar logo uma companhia de ordenança, nomeando oficiais, no caso em que não vão de cá nomeados alguns capitães e nestas companhias se alistarão todos os moradores casados e solteiros».

D. Diogo Lobo, quando encarregado do levantamento de 1 000 homens, segundo o documento transcrito por Raimundo Belo, de 27 de Março de 1638, oficiava em 9 de Maio a seguir, alvitrando para se evitar «decenções com as justiças de V. Mg.e que se querem intrometer na jordição da guerra», se fizesse a eleição dos naturais para capitães «sempre que houvesse capacidade de gente para hua companhia natural daquela ilha». E esse preceito se seguia pelo que adiante transcreveremos. Os próprios colonos embarcavam com idênticos dispositivos de segurança como se vê no Edital que atrás transcrevemos, encontrado no L.0 7 de registo da Câmara de Angra de 1735 a 1752.

Ora, nesse mesmo livro 7 da Câmara de Angra, entre as datas de 21 de Junho e 19 de Agosto de 1747, encontra-se a relação relativa a essas nomeações, indicadas por eleição, que transcrevemos a seguir. Ela não tem data, mas encontra-se a fl. 209 do referido livro de registos, que abrange as datas de 1735 a 1752, e como está lançada entre os dois registos mencionados de 1747 e faz referência aos casais, é admissível concluir, que a eleição foi feita para as companhias de ordenança que acompanhavam os emigrantes.

ELEIÇÕES MILITARES(Pg 93)

Revendesse em Ctaes desta nobre e sempre Leal Cid.e de Angra Ilha 3 a a lista dos Cazaes e mais pessoas livres que a elles se agregarão alistados para as partes do Brazil na forma das ordens de sua Mag ae q.e D,s G.ae se achão importarem os Cazaes em 139 e as pessoas livres q.® a elles se agregarão em 73 e como nas ditas ordens e precatório do Dez.or Correg.o1 " autuai desta Comarca João Alves de Carvalho se devia fazer nomeação de Capitães, Alferes, e sargentos para coatro Companhias, sendo hua delias ou pessoas livres e solteiras declaradas na dita lista, se nomiarão p.a Capp.3®» na forma seguinte:

Para Captães. da pr.a Cnia Em pr. lugar a Manoel João Pereira q.® vai na lista numero primeiro por ter servido m.tos annos nas ordenanças de sarg.to, e Alferes, e ser pessoa nobre capaz do dito empregp. Em segundo lugar a seu filho Manoel João Pereira q.® vai na lista numero terceiro.—Em treceiro logar a seu filho Thomaz Pereira q.e vai na lista numero coatro saberem os ditos ler e escrever como na dita lista se declara. — Para Alferes da dita Cornp.3 Em pr.0 lugar Antonio Machado Borba, numero 227.— Em segundo iogar a Francisco Nunes Syiva, numero 313.—Em terceiro lugar Matheus Vieira Pacheco, numero 334, pellas razões declaradas na dita lista. — Para sarg.t0 da dita Cornp.3— Em pr." lugar a João Cardoso, numero 114 -- Em segundo lugar a Francisco Sylveira, numero 176 — Em terceiro lugar a Qaspar de Souza, n.0 200

Para Cap.am da segunda Cornp 3 Em pr.® lugar a Manoel Pereira da Sylveira q.e vai na lista numero 11 por ler, e escrever, e ser filho do Alferes Manoel Pereira Cardoso — Em segundo lugar a Manoel Pereira Cardoso por saber ler e escrever e ser filho do sobredito Alferes do mesmo nome numero 12 — Em terceiro lugar Jose Pereira numero 520, pelas razões declaradas no asento de suas listas - Para Alferes da dita Cornp.3 . Em pr.® lugar Manuel Jose numero 513 — Em segundo lugar João João Antonio numero 521 — Em terceiro lugar Jose Pereira numero 520 — Para sargentos na dita Cornp.3 -— Em pr.® lugar Pedro da Costa numero 317 — Em segundo lugar Manoel Machado Toste numero 453 — Em terceiro logar João Vieira de Brito numero 481.

Para Cap.3m da 3.3 Cornp.3 Em pr.® logar a João Alves numero 509 — Em segundo logar a Jose Pereira numero 510 — Em treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 pellas rezões declaradas nos asentos de sua lista. — Para Alferes na dita Cornp.3 — Em pr." lugar a Jose de Souza Vieira numero 530 — Em segundo logar Mathias Fancisco numero 609 — Em treceiro logar a Manoel Vieira numero 653 — Para sargentos na dita Com.3 — Em pr.® logar a Andre Martins Coelho, numero 56 — Em segundo logar a João da Costa de Mello numero 341 — Em treceiro logar a Francisco Caetano numero 505. Para Cap.3 " da segunda (sic) Cornp.3 (quarta) Em pr.0 lugar a Carlos Pereira Machado numero 46 — Em segundo logar a Gaethano Furtado de Faria numero 656 — em treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 — Para Alferes da dita Comp.a — Em pr.0 logar a Jose Pereira numero 510 — em segundo logar a Francisco Nunes da Sylva numero 313 — Em treceiro logar a João da Costa de Mello numero 341 — Para sargentos na dita Cornp.3 — Em pr.0 logar a Pedro de Souza numero 68 — Em segundo logar Antonio Martins Faleiro numero 63 - Em treceiro logar a Manoel de Souza numero 58 — E por ser verdade eu Andre Francisco Nolette escrivão da Camr.a o fis escrever. Diogo Alvaro Pereira de Lacerda, Thomas Paym de Betencourt, Antonio Pimentel de Mello Camara de Lacerda Ortis, Dom João Flores da Sylva Castilbranco, Jose Francisco de Vasconcellos e Costa. 

Mostra esta relação outro meticuloso cuidado com que a colonização foi dirigida, e pode servir também para os seus descendentes actuais, de possível orientação para ulteriores pesquisas quanto a apuros genealógicos. Por outro lado, indica-nos a existência das listas de inscrição com a sua devida numeração. Creio que não estão completamente compulsados os arquivos açorianos para se considerarem perdidas essas relações e os nomes de todos os arrolados, de modo a ficar no esquecimento das ilhas o conhecimento dos primeiros que para ali foram e fixaram as bases da sociedade actual, de tal forma, com carácter duradoiro e continuado pelos seus descendentes, que levaram o Dr. Oswaldo R. Cabral a escrever ao concluir a sua tese, foi «a contribuição da alma açoriana, da civilização lusa que ela legou aos descendentes dos povoadores, o espírito da sociedade, as linhas mestras do complexo social de Santa Catarina. Grandes e numerosas famílias, ilustres e destacadas, tem ais suas origens nos modestos troncos vindos do arquipélago- O Açoriano venceu pela sua descendência». A finalizar estas considerações e em homenagem ao general Borges Fortes, que iniciou os estudos sobre este movimento de emigração, deixo à recordação açoriana e aos que as não poderem ler, para que não mais esqueçam, as palavras de admiração e gratidão com que fecha o seu livro Casaes, de análise e apreço aos problemas desta colonização :

«Os longos lustres de agruras e decepções, as lágrimas pungitivas dos que haviam sofrido, as canseiras exaustivas dos que trabalhavam na gleba, o sangue derramado pelos que combateram na defesa da honra e do solo, as cinzas dos que jaziam na paz dos túmulos, sucumbidos sob a acção do tempo e das dores; os filhos e netos que as esposas e filhas lhes haviam dado e que haviam aberto os olhos sob a constelação do Cruzeiro do Sul, tudo os prendia agora ao Rio Grande».

«Os homens dos Açores eram quase incultos, as suas indústrias elementares, o abandono a que se viram votados atrofiara-lhes a actividade e as iniciativas. Em compensação nenhuma das rijas fibras de suas qualidades morais se quebrantara. E foi essa a melhor herança que nos legaram. Deixaram-nos o admirável exemplo de fidelidade invariável ao dever, sempre bons, sempre resignados, sempre serenamente trabalhando para a família, para a colectividade, pela Pátria. Honrados, simples e áusteros os homens, santas e virtuosas as mulheres. Foi dos lares dessa gente que saíram as esposas que se iizeram as mães Catarinenses e dos rio-grandenses. Bendita semente, a dos açorianos !» 

http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/e3a418659d67d6609e2e58e7210779cb.pdf

Um episodio da História Terceirense

No artigo publicado na Brotéiia, Fase. 4, Vol. LIV, de 1952, — Serviços de Saúde da Companhia de Jesus no Brasil — Serafim Leite apresenta uma lista de enfermeiros, cirurgiões e boticários, onde se encontram os seguintes nomes de profissionais naturais dos Açores: Cirurgiões e enfermeiros:

Manuel Tristão (1546-1568-1621) — Açores; António Jorge (1555-1574-1608) — Ilha Terceira ; P. Francisco Gonçalves (1597-1613-1660) — Ilha de S. Miguel; Gaspar Dias (1604-1638-1691) — Angra ; Francisco Peixoto (1616-1643-1695) — Ilha Graciosa; José de Sousa (1629-1648-1663) — Ilha Terceira; Manuel Rodrigues (1630-1661-1774) — Ponta Delgada; Francisco Cabral (1687-1709-1751) — Ilha do Faial; Manuel Freire (1714-1744-1774) — Ilha de S. Miguel. Boticários ou farmacêuticos : Manuel Trístâo (1546-1568-1621) — Açores; Manuel Rodrigues (1630-1661-1724) — Ponta Delgada.
As datas indicadas são sucessivamente as do nascimento, chegada ao Brasil ou entrada na Companhia, e a-da morte.

Percorrendo os livros das gerações das ilhas, vemos essa corrente começada a partir dos primeiros anos da ocupação do Brasil, após a sua descoberta, e entre tantos limito-me a apresentar estes de maior relevo — João de Bettencourt, governador de Pernambuco; Vasco Homem de Brito, alcaide-mór do sertão; D. Rodrigo Lobo da Silveira a comandar um forte no Brasil em 1633; Francisco do Canto da Silva a fundar a cidade da Baía na companhia de Thomé de Sousa; António Borges Leal, num posto militar no Rio de Janeiro; Manuel da Silveira, chaveiro duma das alfândegas do Brasil, outros dois padres da Companhia de Jesus, Francisco de Vasconcelos e Luís de Vasconcelos, irmãos servindo no Brasil e outros mais, gente solteira que lá casava, gente casada que partia com a mulher e os filhos.

Não se nos afigura, de facto, que os motivos postos à justificação da ida dos casais açorianos para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, já em 1746, fôssem aqueles que prevalecem no apreço dos autores brasileiros. Haveria possivelmente outras razões preponderantes e essas podem, até certo ponto, serem interpretadas na ordem das políticas e etnográficas sobrepondo-se a todas as outras. Tratava-se no espírito principal da colonização, fixar gente portuguesa nessas vastas regiões do sul do Brasil, ainda em disputa quanto aos direitos que sobre elas teria a Espanha, nas dúvidas suscitadas pela demarcação estabelecida no tratado de Tordesilhas.

A esses possíveis fundamentos, haveria que juntar a efectivação da posse e já por várias vezes ela fôra tentada pelos espanhoes. A colónia de Sacramento, de 3 de Outubro de 1735 a 2 de Setembro de 1737, durante 23 meses, sofrera o cerco das tropas de D. Miguel de Salcedo, governador de Buenos-Aires. A ilha de Santa Catarina tornava-se assim um magnífico ponto de fixação e irradiação para sustentar a luta, mas não tinham permitido ainda as circunstâncias, que suficientes contingentes populacionais ali se fixassem, firmando os direitos de posse necessários para os poder sustentar. Até então só havia notícia de terem sido enviados, em 1692, os 260 açorianos chefiados por João Félix Antunes.

O que não deixa dúvida, é que o plano do povoamento era sàbiamente concebido e na sua irradiação pelo sertão brasileiro aconselhada sempre a prudência para «que não se dê justa razão de queixa aos espanhoes confinantes». Nem tentativa de posse além do que era nosso, nem contacto que levasse a interferências recíprocas. Mas, insistente sempre a pretensão espanhola, a razão a existir no fundamento em que a pomos, sofria em 1777 uma prova desconcertante. Nesta data os espanhoes comandados por D. Pedro de Zebalos, ocuparam a ilha de Santa Catarina sem qualquer resistência. Não obstante os meios de defesa apreciáveis que então existiam na ilha, nem um só tiro foi disparado. Na sua tese e no capítulo intitulado — «Desorganização da vida colonial» — o Dr. Oswaldo R. Cabral descreve esse lamentável sucesso para o qual se não encontra cabal explicação. Nem os sofrimentos da população, nem a decadência do impulso colonial, são razões que o justifiquem. Nem mesmo a miséria cria o desânimo na resistência ao invasor. De resto, o núcleo principal da guarnição era de tropas de profissão, estranhos à região, para ali enviados com antecedência e devida organização.

Que a organização da colonização fôra cuidadosamente preparada não resta dúvida. O conhecimento que nos dão os documentos publicados, são disso prova suficiente. Neles prevalece a preocupação de ser constituída por gente de boa validez física e de sã organização familiar.
O regulamento dos transportes (Anexo N.o 4 da tese) dá-nos disso cabal conhecimento. Começado o transporte em 1748, nos anos seguintes, até 1752, foi efectuado com regularidade e com número sempre crescente de casais. Segundo cópia (Anexo N.0 10) extraída pelo autor da tese do livro Casaes do general Borges Fortes, se começou com 85 em 1748, em 1750 atingia 326 casais e ainda se mantém com 269 em 1752.

É natural que os navios no regresso, sendo sempre os mesmos, trouxessem notícia dos tormentos da viagem e da situação precária encontrada pelos colonos ao chegarem ao seu destino. A persistência da corrente emigratória demonstra que o temor, aceitável pelo que a deficiente situação encontrada podesse despertar, não diminuirá o entusiasmo e a esperança ao ponto de haver apreciáveis deserções na inscrição, aliás possíveis, porque era condição do edital régio publicado pelas Câmaras das ilhas, ser para os «que voluntariamente quizerem hir»

Tinham ido ao todo naqueles anos 1.057 casais com 5.236 pessoas, das quais 677 eram menores. Se havia já falta de gente para o último transporte e se cita a necessidade de violências da autoridade para obrigar ao embarque, o facfo pode encontrar explicação em várias causas, no desânimo de alguns, possivelmente no arrependimento do primeiro entusiasmo, na melhoria local duma situação precária anterior, mas mais seguramente no esgotamento da capacidade de emigração. O alvará régio de D. José I, de 4 de Julho de 1758. proibindo a emigração, ou seja seis anos depois dos últimos embarques, é disso um indício. Notar-se-ia já a falta de braços para a lavoura e isso só confirma, perante a superfície das ilhas e o número de pessoas embarcadas, aliás reduzidas na proporção a haver, que não fôra o aumento demográfico que justificára a emigração dirigida, nem as condições económicas precárias que desse facto podessem derivar, se fôsse aceitável considerar causa de ruína o aumento populacional.

Em verdade não tem apoio a dúvida do General Borges Fortes, «se os trabalhos e contratempos sofridos pelos primeiros retirantes seriam argumento contrário à intensificação da corrente emigratória». Cessou a emigração dirigida pela providência do alvará régio referido. Para a população que então existia, era já número respeitável aquele volume de gente que partia. Mas ainda em 1756, segundo o Dr. Oswaldo R. Cabral, no último transporte seguiram 520 pessoas.

Embora o arrolamento se fizesse nos Açores e na Madeira, o que parece assente é que a grande massa de emigrantes foi constituída com gente das ilhas açorianas. O general Borges Fortes indica para a Madeira 21 casais com 99 pessoas maiores e 10 menores. O derradeiro navio, o daquela última data, que foi completar a sua lotação com casais desta ilha, não deve ter levado número que ficasse pesando apreciàvelmente entre a grande massa açoriana. Também, segundo os dados do mesmo autor, quanto ao número de pessoas falecidas na viagem e em terra, até ao fim de Julho de 1753, ou seja 355 indivíduos, dispersava-se o conhecimento e a saudade pela recordação dos parentes, sem carácter de alarme geral. Representava uma mortalidade de cêrca de 6,5 0 /oi 0 Q ue P ara aqueles tempos seria ocorrência usual em viagens de tão longo curso, sem reservas alimentares apropriadas e em tais circunstâncias de congestionamento a bordo. A isso se estava acostumado.

Os casais caminharam resoluta e esperançadamente para a terra prometedora do Brasil, na mesma ância de triunfo como antes o faziam os que foram sòzinhos e por livre vontade. A mercê régia do transporte à custa da sua fazenda, era um favor e uma facilidade para todos os que queriam partir, olhos postos na fortuna, que já tinham visto em muitos dos que isoladamente e à sua custa anteriormente tinham seguido e depois voltado. O seu poder de fixação à terra, a sua capacidade de trabalho, o seu desejo de triunfo, transluz naquele documento de 5 de Novembro de 1756, que o prof. Paiva Boléo encontrou no Arquivo Histórico Colonial. São passados apenas quatro anos depois das levas sucessivas de 1748 a 1752 e nele — «Mapa das freguesias que tem a ilha de Santa Catarina» — se encontra que em 9.758 almas, a população se caracterizava do seguinte modo ;

casais das ilhas 1.084
filhos das ilhas 3.421
casais da terra 1.097
filhos da terra 3.446. 

Nos casais da terra estariam já incluídos os que, segundo se depreende das referências feitas anteriormente, desde 1677, havia 70 anos, ali se fixaram ? O que o documento essencialmente indica, é que já existia a organização administrativa por freguesias, o que também afirma as possibilidades que começavam a nascer. O que era primordial à formação social ia-se fundando com a colónia.

Mas que a situação precária dos colonos continuasse de compungente ruína, não o parecem confirmar os anos seguintes à libertação do território, certamente os mais angustiosos, os que dariam mais que falar nas notícias aos parentes que ficaram nas ilhas, porque nas investigações de Raimundo Belo publicadas nos Vol. V a IX deste Boletim sobre A Emigração açoriana para o Brasil, encontramos dirigidas exponfâneamente, à sua custa, para as regiões do sul.deste pais, os indivíduos que a seguir se mencionam, todos eles chamados por parentes que ali estavam e que por certo o não fariam com o intuito de juntar à sua desfortuna aqueles a quem convidavam, E assim partiram:

Em 1785 — 33 anos depois da colonização :
«João de Sousa, das Lagens, à Ilha de Santa Catarina, para a companhia de seu tio Padre Manuel de Sousa, que o mandara buscar para o favorecer». Trata-se provàvelmente do P.e Manuel de Sousa de Menezes, que fôra, nos termos da Provisão régia de 9 de Agosto de 1747 (Anexo N.0 3 da tese), a qual «mandava avisar aos Bispos do Funchal e de Angra, que convidem alguns clérigos daquelas Ilhas para irem em companhia dos mesmos casais». O autor da tese, no seu livro Assuntos Insulanos, a ele faz referência, e eu também o encontro no Livro Genealógico, de Francisco Coelho Machado, como partindo para o Brasil, sendo aqui vigário da Vila Nova. Era de nobre linhagem, descendente de Álvaro Gonçalves Camelo, um dos primeiros povoadores da Terceira, que se dizia primo do Condestável D. Nuno Alvares Pereira e por linha colateral foram buscar o apelido Menezes a troncos derivados da Rainha D. Leonor Teles.

«João Borges Homem, dos Altares, à Ilha de Santa Catarina, a deligenciar procuração bastante de seu tio António Correia Borges». «José Coelho Machado de Melo, de Angra, ao Rio Grande onde tem seu estabelecimento». E isto significa que colhera proventos bastantes para poder vir e voltar. No citado Livro Genealógico, encontra-se um José Coelho Machado Fagundes de Melo, filho do autor, que foi sargento-mór de cavalaria em Vila Rica, tendo seguido para essas partes do Brasil à roda de 1745. Será o mesmo, indo depois para o Rio Grande nas tropas da reconquista ?

Em 1789 — 37 anos depois da colonização:
«Francisco António Coelho da Costa Borges da Silveira, de Angra, ao Rio Grande, com sua mulher D. Ignez Francisca e 5 filhos menores, Manuel José Coelho, José Coelho, António Coelho, D. Ana e D. Maria e um moço para o seu serviço chamado António Picanço».

Toda uma família com o seu serviçal, que pelo nome indica ser de destacada posição social onde não faltaria boa fonte de informação para as possibilidades a haver ou para os dissabores a esperar, ao que não haveria necessidade de sujeitar a mulher e os filhos menores.

«Maria Catarina Josefa, de Angra, à Ilha de Santa Catarina, a procurar a companhia de seu marido José Inácio Ferreira, que a mandara buscar com seus dois filhos menores, chamados Josefa Mariana e Francisco José».

Caso que nos traz a convicção que tendo partido sozinho, posteriormente aos casais, tinha situação satisfatória, mandando buscar os seus ao fim de pouco tempo, o que se deduz dos filhos serem ainda menores, por ter encontrado meio favorável para a sua capacidade de trabalho.

Em 1791 — 39 anos depois da colonização :
«Francisca Inacia e sua irmã Ana Teodora e sua sobrinha Maria do Carmo, de Angra, à Ilha de Santa Catarina, para a companhia de seu irmão o capitão Vicente Ferreira de Andrade, que as mandara buscar para as favorecer».

Outra pessoa de categoria a chamar duas irmãs, e não será aceitável que fôsse para as favorecer com penúria. Havia possibilidades já para mulheres, nota evidente que o meio se desenvolvera.

«Padre Alexandre José Coelho da Costa, presbítero secular da freguesia de S. Bartolomeu, ao Rio Pardo, a procurar a companhia de seu cunhado o ajudante Pedro Inácio Borges, que o mandava buscar, levando seu irmão João Jose Machado».

Em 1807 — 55 anos depois da colonização:
«Rosa Joaquina, natural do Faial, ao Rio Pardo, a procurar a companhia de sua irmã Joaquina Luiza e de seu cunhado Carlos da Costa, que a mandaram buscar».

Para qual dos 4 Rios Pardos, conhecidos no Brasil, se dirigiam estes emigrantes ? Será este Rio Pardo, a cidade e município do Estado do Rio Grande do Sul, na margem esquerda do Rio Jacuby, o de S. Paulo, o de Minas Gerais ou o do Espírito Santo ? Tudo leva a pensar que seja o do Rio Grande do Sul, não só porque nunca para qualquer dos outros se acentuou a emigração, como pela razão, mais conjecturável, de serem os que para ali tinham ido nas levas da emigração dirigida, que mandavam buscar os seus. E por isso julgo cabida a referência e com eles contar para o conceito a formar sobre os resultados próximos desta colonização, e para o pensar, encontro apoio nas referências que faz o general Borges Fortes a casais fixados no Rio Pardo do Estado do Rio Grande do Sul.

Em 1819 — 67 anos depois da colonização:
«Luiza Maurícia, da Ribeira de Flamengos, à Vila de Porto Alegre, do continente do Sul, para a companhia de seu marido Francisco Silveira Azevedo, que a mandara buscar».

«José Marques Torres, natural da Ilha de Santa Catarina, de 43 anos, tendo vindo ao Faial dispor da casa de seu pai, o capitão António Marques Torres, e porque tivesse disposto das ditas propriedades, regressa a Santa Catarina».

Indica o primeiro caso, que se trataria dum emigrante já posterior ao embarque dos casais, que a fama da região não era má e que lhe era favorável a vida ; indica o segundo, que o seu pai seria um desses colonos e que ele ali nascera, onde por certo encontrára meio propício, porque vinha liquidar os bens da sua casa para não mais voltar. A exigência posta em todos, do conhecimento da razão para o embarque, era determinante que subsistia, provàvelmente, do Alvará de D. José I, de 4 de Julho de 1758, proibindo a saída de pessoa alguma sem causa justificada. Provam estes dados de Raimundo Belo, que não obstante a situação angustiosa porque tinham passado os colonos, não ficàra no seu ânimo nem na recordação familiar, a rejeição de possibilidades de triunfo nas regiões do Sul do Brasil. São 23 pessoas que a partir de 33 anos passados sobre o último embarque, ainda para ali se dirigiam. Falharam muitos ? Triunfaram poucos ? É condição humana que nem todos possuem as mesmas capacidades. É mesmo perfeitamente aceitável e está já demonstrado, que o colono, em geral, não é o melhor dotado. Ser pobre, para alguns sociólogos, é já condição de inferioridade e incapacidade pessoal. O desejo de emigração, excluído o caso de espírito de aventura ou propósito deliberado duma actividade definida, é já uma rebeldia contra o seu meio ou uma manifestação de insuficiência. Nas colonizações dirigidas, não obstante as condições de selecção postas, não escasseia o número dos que tem menos aptidões. Até se explica e o justifica, o favorecimento e as ajudas do meio para a sua eliminação. É natural que muitos tivessem essa deficiência pessoal.

http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/e3a418659d67d6609e2e58e7210779cb.pdf