O desejo de emigração, excluído o caso de espírito de aventura
ou propósito deliberado duma actividade definida, é já uma rebeldia
contra o seu meio ou uma manifestação de insuficiência. Nas colonizações dirigidas, não obstante as condições de selecção postas, não
escasseia o número dos que tem menos aptidões. Até se explica e o
justifica, o favorecimento e as ajudas do meio para a sua eliminação.
É natural que muitos tivessem essa deficiência pessoal.
Teria de facto falhado o lavrador açoriano ?
O caso só poderia ser apreciado em melhor campo com a identificação de todos os que seguiram, mas já quase perdemos a esperança, que as deligentes pesquisas de Raimundo Belo. nos encontrem
as listas da inscrição dos casais.
Mas ainda nos servem aqueles dados, que ele nos fornece, pelo
menos para alguns deles de origem campesina, que essas chamadas
se fizeram muito antes da primeira metade do século XIX, depois da
qual, segundo o Dr. Oswaldo R. Cabral, «é que a agricultura em Santa Catarina, tentada com outros elementos, a ela dispostos e inclinados, com outros métodos e outras possibilidades, pôde ressurgir e
prosperar a sua industrialização, fonte de toda a riqueza actual de
Santa Catarina»
Naquele documento - «índice das concessões das sesmarias
contidas no 2.° Tomo do Registo Geral» apresentado ao Congresso de História de Santa Catarina pelo prof. Custódio Campos (referência Brasília, Vol. V, relato do prof. Paiva Boléoj e nas relações
que se encontram no livro Casaes, do general Borges Fortes, estará
possivelmente a chave que possa abrir a porta do segredo, que nos
oculta esse apreço.
O objectivo da colonização pela letra dos próprios editais convocatórios, pretendia fundar povoações, visando à formação de agregados populacionais de todas as actividades sociais, e para isso
impunha a indicação — «pondo-lhe na matricula todos os signaes, que
os possam distinguir. .. officios, ou exercício que tem afim de se lhes
poderem dar os empregos proprios dos requizitos de cada hum».
Talvez na descriminação destes mesteres, se fôsse possível apurá-la, se podesse encontrar o fundamento de triunfo para cada um
dos que, segundo o autor da tese, «libertando-se da tirania da gleba,
elevava-se para uma existência de acordo com os seus pendores e
com as suas inclinações». Mas enquanto essa existência não começou
a delinear-se, foi incontestàvelmente do trabalho dos da gleba que
provinha o pão necessário que a todos sustentava.
Apontam os autores e perfilha essa razão o Dr. Oswaldo R. Cabral, que o serviço militar a que foram sujeitos muitos dos colonos,
obrigada ou voluntàriamente, seria um dos grandes motivos da decadência em que caíram. Mas a principal razão, é mais natural encontrá-
-la nas causas por eles apontadas sobre a inutilidade do trabalho à
falta de possibilidades de transporte e consumo dos produtos.
A agricultura infensifica-se sempre a par do desenvolvimento
industrial e o que vem apontado respeitante a este sector, ainda não
contava para o estimulo que podia trazer. Se é certo que o edital de
31 de Agosto de 1746, convidando à inscrição, prometia que «ficarão
isentos de serviço nas trepas pagas, no caso de se estabelecerem no
fim de dois anos, nos sitios que se lhes destinarem», o facto é que as
necessidades de defesa impunham mais fortes razões, sem mesmo
contar com estas que acabamos de apontar como meio mais expedito
de trazer remuneração.
De resto, naqueles tempos a organização militar obrigava todos
os homens à defesa comum pela constituição das companhias de ordenança, formadas nas freguesias rurais, com os seus quadros devidamente organizados. Na Provisão real de 9 de Agosto de 1747, que dá
forma à acomodação dos povoadores, vem indicado que à sua chegada
«em cada lugar dos sobreditos fareis levantar logo uma companhia de
ordenança, nomeando oficiais, no caso em que não vão de cá nomeados alguns capitães e nestas companhias se alistarão todos os moradores casados e solteiros».
D. Diogo Lobo, quando encarregado do levantamento de 1 000
homens, segundo o documento transcrito por Raimundo Belo, de 27
de Março de 1638, oficiava em 9 de Maio a seguir, alvitrando para se
evitar «decenções com as justiças de V. Mg.e que se querem intrometer na jordição da guerra», se fizesse a eleição dos naturais para capitães «sempre que houvesse capacidade de gente para hua companhia
natural daquela ilha». E esse preceito se seguia pelo que adiante
transcreveremos.
Os próprios colonos embarcavam com idênticos dispositivos de
segurança como se vê no Edital que atrás transcrevemos, encontrado
no L.0
7 de registo da Câmara de Angra de 1735 a 1752.
Ora, nesse mesmo livro 7 da Câmara de Angra, entre as datas de
21 de Junho e 19 de Agosto de 1747, encontra-se a relação relativa
a essas nomeações, indicadas por eleição, que transcrevemos a seguir.
Ela não tem data, mas encontra-se a fl. 209 do referido livro de registos, que abrange as datas de 1735 a 1752, e como está lançada entre
os dois registos mencionados de 1747 e faz referência aos casais, é
admissível concluir, que a eleição foi feita para as companhias de
ordenança que acompanhavam os emigrantes.
ELEIÇÕES MILITARES(Pg 93)
Revendesse em Ctaes desta nobre e sempre Leal Cid.e
de Angra Ilha 3
a
a lista dos Cazaes e mais pessoas livres que
a elles se agregarão alistados para as partes do Brazil na forma das ordens de sua Mag ae q.e D,s
G.ae se achão importarem
os Cazaes em 139 e as pessoas livres q.® a elles se agregarão
em 73 e como nas ditas ordens e precatório do Dez.or Correg.o1
" autuai desta Comarca João Alves de Carvalho se devia
fazer nomeação de Capitães, Alferes, e sargentos para coatro
Companhias, sendo hua delias ou pessoas livres e solteiras
declaradas na dita lista, se nomiarão p.a Capp.3®» na forma
seguinte:
Para Captães. da pr.a Cnia Em pr. lugar a Manoel João Pereira q.® vai na lista numero primeiro por ter servido m.tos annos nas ordenanças de
sarg.to, e Alferes, e ser pessoa nobre capaz do dito empregp.
Em segundo lugar a seu filho Manoel João Pereira q.® vai
na lista numero terceiro.—Em treceiro logar a seu filho Thomaz Pereira q.e
vai na lista numero coatro saberem os ditos ler e
escrever como na dita lista se declara. — Para Alferes da dita
Cornp.3
Em pr.0
lugar Antonio Machado Borba, numero 227.—
Em segundo iogar a Francisco Nunes Syiva, numero 313.—Em
terceiro lugar Matheus Vieira Pacheco, numero 334, pellas razões declaradas na dita lista. — Para sarg.t0 da dita Cornp.3—
Em pr." lugar a João Cardoso, numero 114 -- Em segundo
lugar a Francisco Sylveira, numero 176 — Em terceiro lugar a
Qaspar de Souza, n.0
200
Para Cap.am
da segunda Cornp 3
Em pr.® lugar a Manoel Pereira da Sylveira q.e
vai na lista
numero 11 por ler, e escrever, e ser filho do Alferes Manoel
Pereira Cardoso — Em segundo lugar a Manoel Pereira Cardoso por saber ler e escrever e ser filho do sobredito Alferes
do mesmo nome numero 12 — Em terceiro lugar Jose Pereira
numero 520, pelas razões declaradas no asento de suas listas
- Para Alferes da dita Cornp.3
. Em pr.® lugar Manuel Jose
numero 513 — Em segundo lugar João João Antonio numero
521 — Em terceiro lugar Jose Pereira numero 520 — Para sargentos na dita Cornp.3
-— Em pr.® lugar Pedro da Costa numero 317 — Em segundo lugar Manoel Machado Toste numero 453 — Em terceiro logar João Vieira de Brito numero 481.
Para Cap.3m da 3.3
Cornp.3
Em pr.® logar a João Alves numero 509 — Em segundo
logar a Jose Pereira numero 510 — Em treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 pellas rezões declaradas nos
asentos de sua lista. — Para Alferes na dita Cornp.3 — Em
pr." lugar a Jose de Souza Vieira numero 530 — Em segundo
logar Mathias Fancisco numero 609 — Em treceiro logar a
Manoel Vieira numero 653 — Para sargentos na dita Com.3 —
Em pr.® logar a Andre Martins Coelho, numero 56 — Em segundo logar a João da Costa de Mello numero 341 — Em treceiro logar a Francisco Caetano numero 505.
Para Cap.3
" da segunda (sic) Cornp.3
(quarta)
Em pr.0
lugar a Carlos Pereira Machado numero 46 — Em
segundo logar a Gaethano Furtado de Faria numero 656 — em
treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 — Para Alferes da dita Comp.a — Em pr.0
logar a Jose Pereira numero
510 — em segundo logar a Francisco Nunes da Sylva numero
313 — Em treceiro logar a João da Costa de Mello numero
341 — Para sargentos na dita Cornp.3 — Em pr.0
logar a Pedro de Souza numero 68 — Em segundo logar Antonio Martins
Faleiro numero 63 - Em treceiro logar a Manoel de Souza
numero 58 — E por ser verdade eu Andre Francisco Nolette
escrivão da Camr.a
o fis escrever. Diogo Alvaro Pereira de
Lacerda, Thomas Paym de Betencourt, Antonio Pimentel de
Mello Camara de Lacerda Ortis, Dom João Flores da Sylva
Castilbranco, Jose Francisco de Vasconcellos e Costa.
Mostra esta relação outro meticuloso cuidado com que a colonização foi dirigida, e pode servir também para os seus descendentes
actuais, de possível orientação para ulteriores pesquisas quanto a apuros genealógicos. Por outro lado, indica-nos a existência das listas de
inscrição com a sua devida numeração.
Creio que não estão completamente compulsados os arquivos
açorianos para se considerarem perdidas essas relações e os nomes
de todos os arrolados, de modo a ficar no esquecimento das ilhas o
conhecimento dos primeiros que para ali foram e fixaram as bases da
sociedade actual, de tal forma, com carácter duradoiro e continuado
pelos seus descendentes, que levaram o Dr. Oswaldo R. Cabral a escrever ao concluir a sua tese, foi «a contribuição da alma açoriana, da
civilização lusa que ela legou aos descendentes dos povoadores, o
espírito da sociedade, as linhas mestras do complexo social de Santa
Catarina. Grandes e numerosas famílias, ilustres e destacadas, tem ais
suas origens nos modestos troncos vindos do arquipélago- O Açoriano venceu pela sua descendência».
A finalizar estas considerações e em homenagem ao general Borges Fortes, que iniciou os estudos sobre este movimento de emigração, deixo à recordação açoriana e aos que as não poderem ler, para
que não mais esqueçam, as palavras de admiração e gratidão com
que fecha o seu livro Casaes, de análise e apreço aos problemas
desta colonização :
«Os longos lustres de agruras e decepções, as lágrimas pungitivas dos que haviam sofrido, as canseiras exaustivas dos
que trabalhavam na gleba, o sangue derramado pelos que
combateram na defesa da honra e do solo, as cinzas dos que
jaziam na paz dos túmulos, sucumbidos sob a acção do tempo
e das dores; os filhos e netos que as esposas e filhas lhes haviam dado e que haviam aberto os olhos sob a constelação do
Cruzeiro do Sul, tudo os prendia agora ao Rio Grande».
«Os homens dos Açores eram quase incultos, as suas indústrias elementares, o abandono a que se viram votados atrofiara-lhes a actividade e as iniciativas. Em compensação nenhuma das rijas fibras de suas qualidades morais se quebrantara.
E foi essa a melhor herança que nos legaram.
Deixaram-nos o admirável exemplo de fidelidade invariável
ao dever, sempre bons, sempre resignados, sempre serenamente
trabalhando para a família, para a colectividade, pela Pátria.
Honrados, simples e áusteros os homens, santas e virtuosas as mulheres.
Foi dos lares dessa gente que saíram as esposas que se
iizeram as mães Catarinenses e dos rio-grandenses.
Bendita semente, a dos açorianos !»
http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/e3a418659d67d6609e2e58e7210779cb.pdf
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