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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O APREÇO DOUTRAS CAUSAS -Teria de facto falhado o lavrador açoriano ?

O desejo de emigração, excluído o caso de espírito de aventura ou propósito deliberado duma actividade definida, é já uma rebeldia contra o seu meio ou uma manifestação de insuficiência. Nas colonizações dirigidas, não obstante as condições de selecção postas, não escasseia o número dos que tem menos aptidões. Até se explica e o justifica, o favorecimento e as ajudas do meio para a sua eliminação. É natural que muitos tivessem essa deficiência pessoal.

Teria de facto falhado o lavrador açoriano ? O caso só poderia ser apreciado em melhor campo com a identificação de todos os que seguiram, mas já quase perdemos a esperança, que as deligentes pesquisas de Raimundo Belo. nos encontrem as listas da inscrição dos casais. Mas ainda nos servem aqueles dados, que ele nos fornece, pelo menos para alguns deles de origem campesina, que essas chamadas se fizeram muito antes da primeira metade do século XIX, depois da qual, segundo o Dr. Oswaldo R. Cabral, «é que a agricultura em Santa Catarina, tentada com outros elementos, a ela dispostos e inclinados, com outros métodos e outras possibilidades, pôde ressurgir e prosperar a sua industrialização, fonte de toda a riqueza actual de Santa Catarina»

Naquele documento - «índice das concessões das sesmarias contidas no 2.° Tomo do Registo Geral» apresentado ao Congresso de História de Santa Catarina pelo prof. Custódio Campos (referência Brasília, Vol. V, relato do prof. Paiva Boléoj e nas relações que se encontram no livro Casaes, do general Borges Fortes, estará possivelmente a chave que possa abrir a porta do segredo, que nos oculta esse apreço.

O objectivo da colonização pela letra dos próprios editais convocatórios, pretendia fundar povoações, visando à formação de agregados populacionais de todas as actividades sociais, e para isso impunha a indicação — «pondo-lhe na matricula todos os signaes, que os possam distinguir. .. officios, ou exercício que tem afim de se lhes poderem dar os empregos proprios dos requizitos de cada hum». Talvez na descriminação destes mesteres, se fôsse possível apurá-la, se podesse encontrar o fundamento de triunfo para cada um dos que, segundo o autor da tese, «libertando-se da tirania da gleba, elevava-se para uma existência de acordo com os seus pendores e com as suas inclinações». Mas enquanto essa existência não começou a delinear-se, foi incontestàvelmente do trabalho dos da gleba que provinha o pão necessário que a todos sustentava.

Apontam os autores e perfilha essa razão o Dr. Oswaldo R. Cabral, que o serviço militar a que foram sujeitos muitos dos colonos, obrigada ou voluntàriamente, seria um dos grandes motivos da decadência em que caíram. Mas a principal razão, é mais natural encontrá- -la nas causas por eles apontadas sobre a inutilidade do trabalho à falta de possibilidades de transporte e consumo dos produtos. A agricultura infensifica-se sempre a par do desenvolvimento industrial e o que vem apontado respeitante a este sector, ainda não contava para o estimulo que podia trazer. Se é certo que o edital de 31 de Agosto de 1746, convidando à inscrição, prometia que «ficarão isentos de serviço nas trepas pagas, no caso de se estabelecerem no fim de dois anos, nos sitios que se lhes destinarem», o facto é que as necessidades de defesa impunham mais fortes razões, sem mesmo contar com estas que acabamos de apontar como meio mais expedito de trazer remuneração.

De resto, naqueles tempos a organização militar obrigava todos os homens à defesa comum pela constituição das companhias de ordenança, formadas nas freguesias rurais, com os seus quadros devidamente organizados. Na Provisão real de 9 de Agosto de 1747, que dá forma à acomodação dos povoadores, vem indicado que à sua chegada «em cada lugar dos sobreditos fareis levantar logo uma companhia de ordenança, nomeando oficiais, no caso em que não vão de cá nomeados alguns capitães e nestas companhias se alistarão todos os moradores casados e solteiros».

D. Diogo Lobo, quando encarregado do levantamento de 1 000 homens, segundo o documento transcrito por Raimundo Belo, de 27 de Março de 1638, oficiava em 9 de Maio a seguir, alvitrando para se evitar «decenções com as justiças de V. Mg.e que se querem intrometer na jordição da guerra», se fizesse a eleição dos naturais para capitães «sempre que houvesse capacidade de gente para hua companhia natural daquela ilha». E esse preceito se seguia pelo que adiante transcreveremos. Os próprios colonos embarcavam com idênticos dispositivos de segurança como se vê no Edital que atrás transcrevemos, encontrado no L.0 7 de registo da Câmara de Angra de 1735 a 1752.

Ora, nesse mesmo livro 7 da Câmara de Angra, entre as datas de 21 de Junho e 19 de Agosto de 1747, encontra-se a relação relativa a essas nomeações, indicadas por eleição, que transcrevemos a seguir. Ela não tem data, mas encontra-se a fl. 209 do referido livro de registos, que abrange as datas de 1735 a 1752, e como está lançada entre os dois registos mencionados de 1747 e faz referência aos casais, é admissível concluir, que a eleição foi feita para as companhias de ordenança que acompanhavam os emigrantes.

ELEIÇÕES MILITARES(Pg 93)

Revendesse em Ctaes desta nobre e sempre Leal Cid.e de Angra Ilha 3 a a lista dos Cazaes e mais pessoas livres que a elles se agregarão alistados para as partes do Brazil na forma das ordens de sua Mag ae q.e D,s G.ae se achão importarem os Cazaes em 139 e as pessoas livres q.® a elles se agregarão em 73 e como nas ditas ordens e precatório do Dez.or Correg.o1 " autuai desta Comarca João Alves de Carvalho se devia fazer nomeação de Capitães, Alferes, e sargentos para coatro Companhias, sendo hua delias ou pessoas livres e solteiras declaradas na dita lista, se nomiarão p.a Capp.3®» na forma seguinte:

Para Captães. da pr.a Cnia Em pr. lugar a Manoel João Pereira q.® vai na lista numero primeiro por ter servido m.tos annos nas ordenanças de sarg.to, e Alferes, e ser pessoa nobre capaz do dito empregp. Em segundo lugar a seu filho Manoel João Pereira q.® vai na lista numero terceiro.—Em treceiro logar a seu filho Thomaz Pereira q.e vai na lista numero coatro saberem os ditos ler e escrever como na dita lista se declara. — Para Alferes da dita Cornp.3 Em pr.0 lugar Antonio Machado Borba, numero 227.— Em segundo iogar a Francisco Nunes Syiva, numero 313.—Em terceiro lugar Matheus Vieira Pacheco, numero 334, pellas razões declaradas na dita lista. — Para sarg.t0 da dita Cornp.3— Em pr." lugar a João Cardoso, numero 114 -- Em segundo lugar a Francisco Sylveira, numero 176 — Em terceiro lugar a Qaspar de Souza, n.0 200

Para Cap.am da segunda Cornp 3 Em pr.® lugar a Manoel Pereira da Sylveira q.e vai na lista numero 11 por ler, e escrever, e ser filho do Alferes Manoel Pereira Cardoso — Em segundo lugar a Manoel Pereira Cardoso por saber ler e escrever e ser filho do sobredito Alferes do mesmo nome numero 12 — Em terceiro lugar Jose Pereira numero 520, pelas razões declaradas no asento de suas listas - Para Alferes da dita Cornp.3 . Em pr.® lugar Manuel Jose numero 513 — Em segundo lugar João João Antonio numero 521 — Em terceiro lugar Jose Pereira numero 520 — Para sargentos na dita Cornp.3 -— Em pr.® lugar Pedro da Costa numero 317 — Em segundo lugar Manoel Machado Toste numero 453 — Em terceiro logar João Vieira de Brito numero 481.

Para Cap.3m da 3.3 Cornp.3 Em pr.® logar a João Alves numero 509 — Em segundo logar a Jose Pereira numero 510 — Em treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 pellas rezões declaradas nos asentos de sua lista. — Para Alferes na dita Cornp.3 — Em pr." lugar a Jose de Souza Vieira numero 530 — Em segundo logar Mathias Fancisco numero 609 — Em treceiro logar a Manoel Vieira numero 653 — Para sargentos na dita Com.3 — Em pr.® logar a Andre Martins Coelho, numero 56 — Em segundo logar a João da Costa de Mello numero 341 — Em treceiro logar a Francisco Caetano numero 505. Para Cap.3 " da segunda (sic) Cornp.3 (quarta) Em pr.0 lugar a Carlos Pereira Machado numero 46 — Em segundo logar a Gaethano Furtado de Faria numero 656 — em treceiro logar a Francisco Pereira Xavier numero 511 — Para Alferes da dita Comp.a — Em pr.0 logar a Jose Pereira numero 510 — em segundo logar a Francisco Nunes da Sylva numero 313 — Em treceiro logar a João da Costa de Mello numero 341 — Para sargentos na dita Cornp.3 — Em pr.0 logar a Pedro de Souza numero 68 — Em segundo logar Antonio Martins Faleiro numero 63 - Em treceiro logar a Manoel de Souza numero 58 — E por ser verdade eu Andre Francisco Nolette escrivão da Camr.a o fis escrever. Diogo Alvaro Pereira de Lacerda, Thomas Paym de Betencourt, Antonio Pimentel de Mello Camara de Lacerda Ortis, Dom João Flores da Sylva Castilbranco, Jose Francisco de Vasconcellos e Costa. 

Mostra esta relação outro meticuloso cuidado com que a colonização foi dirigida, e pode servir também para os seus descendentes actuais, de possível orientação para ulteriores pesquisas quanto a apuros genealógicos. Por outro lado, indica-nos a existência das listas de inscrição com a sua devida numeração. Creio que não estão completamente compulsados os arquivos açorianos para se considerarem perdidas essas relações e os nomes de todos os arrolados, de modo a ficar no esquecimento das ilhas o conhecimento dos primeiros que para ali foram e fixaram as bases da sociedade actual, de tal forma, com carácter duradoiro e continuado pelos seus descendentes, que levaram o Dr. Oswaldo R. Cabral a escrever ao concluir a sua tese, foi «a contribuição da alma açoriana, da civilização lusa que ela legou aos descendentes dos povoadores, o espírito da sociedade, as linhas mestras do complexo social de Santa Catarina. Grandes e numerosas famílias, ilustres e destacadas, tem ais suas origens nos modestos troncos vindos do arquipélago- O Açoriano venceu pela sua descendência». A finalizar estas considerações e em homenagem ao general Borges Fortes, que iniciou os estudos sobre este movimento de emigração, deixo à recordação açoriana e aos que as não poderem ler, para que não mais esqueçam, as palavras de admiração e gratidão com que fecha o seu livro Casaes, de análise e apreço aos problemas desta colonização :

«Os longos lustres de agruras e decepções, as lágrimas pungitivas dos que haviam sofrido, as canseiras exaustivas dos que trabalhavam na gleba, o sangue derramado pelos que combateram na defesa da honra e do solo, as cinzas dos que jaziam na paz dos túmulos, sucumbidos sob a acção do tempo e das dores; os filhos e netos que as esposas e filhas lhes haviam dado e que haviam aberto os olhos sob a constelação do Cruzeiro do Sul, tudo os prendia agora ao Rio Grande».

«Os homens dos Açores eram quase incultos, as suas indústrias elementares, o abandono a que se viram votados atrofiara-lhes a actividade e as iniciativas. Em compensação nenhuma das rijas fibras de suas qualidades morais se quebrantara. E foi essa a melhor herança que nos legaram. Deixaram-nos o admirável exemplo de fidelidade invariável ao dever, sempre bons, sempre resignados, sempre serenamente trabalhando para a família, para a colectividade, pela Pátria. Honrados, simples e áusteros os homens, santas e virtuosas as mulheres. Foi dos lares dessa gente que saíram as esposas que se iizeram as mães Catarinenses e dos rio-grandenses. Bendita semente, a dos açorianos !» 

http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/e3a418659d67d6609e2e58e7210779cb.pdf

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