No artigo publicado na Brotéiia, Fase. 4, Vol. LIV, de 1952, —
Serviços de Saúde da Companhia de Jesus no Brasil — Serafim Leite
apresenta uma lista de enfermeiros, cirurgiões e boticários, onde se
encontram os seguintes nomes de profissionais naturais dos Açores:
Cirurgiões e enfermeiros:
Manuel Tristão (1546-1568-1621) — Açores;
António Jorge (1555-1574-1608) — Ilha Terceira ;
P. Francisco Gonçalves (1597-1613-1660) — Ilha de S. Miguel;
Gaspar Dias (1604-1638-1691) — Angra ;
Francisco Peixoto (1616-1643-1695) — Ilha Graciosa;
José de Sousa (1629-1648-1663) — Ilha Terceira;
Manuel Rodrigues (1630-1661-1774) — Ponta Delgada;
Francisco Cabral (1687-1709-1751) — Ilha do Faial;
Manuel Freire (1714-1744-1774) — Ilha de S. Miguel.
Boticários ou farmacêuticos :
Manuel Trístâo (1546-1568-1621) — Açores;
Manuel Rodrigues (1630-1661-1724) — Ponta Delgada.
As datas indicadas são sucessivamente as do nascimento, chegada
ao Brasil ou entrada na Companhia, e a-da morte.
Percorrendo os livros das gerações das ilhas, vemos essa corrente
começada a partir dos primeiros anos da ocupação do Brasil, após a
sua descoberta, e entre tantos limito-me a apresentar estes de maior relevo — João de Bettencourt, governador de Pernambuco; Vasco
Homem de Brito, alcaide-mór do sertão; D. Rodrigo Lobo da Silveira
a comandar um forte no Brasil em 1633; Francisco do Canto da Silva
a fundar a cidade da Baía na companhia de Thomé de Sousa; António
Borges Leal, num posto militar no Rio de Janeiro; Manuel da Silveira,
chaveiro duma das alfândegas do Brasil, outros dois padres da Companhia de Jesus, Francisco de Vasconcelos e Luís de Vasconcelos,
irmãos servindo no Brasil e outros mais, gente solteira que lá casava,
gente casada que partia com a mulher e os filhos.
Não se nos afigura, de facto, que os motivos postos à justificação da ida dos casais açorianos para Santa Catarina e Rio Grande do
Sul, já em 1746, fôssem aqueles que prevalecem no apreço dos autores brasileiros. Haveria possivelmente outras razões preponderantes e
essas podem, até certo ponto, serem interpretadas na ordem das políticas e etnográficas sobrepondo-se a todas as outras.
Tratava-se no espírito principal da colonização, fixar gente portuguesa nessas vastas regiões do sul do Brasil, ainda em disputa
quanto aos direitos que sobre elas teria a Espanha, nas dúvidas suscitadas pela demarcação estabelecida no tratado de Tordesilhas.
A esses possíveis fundamentos, haveria que juntar a efectivação
da posse e já por várias vezes ela fôra tentada pelos espanhoes. A
colónia de Sacramento, de 3 de Outubro de 1735 a 2 de Setembro de
1737, durante 23 meses, sofrera o cerco das tropas de D. Miguel de
Salcedo, governador de Buenos-Aires.
A ilha de Santa Catarina tornava-se assim um magnífico ponto
de fixação e irradiação para sustentar a luta, mas não tinham permitido ainda as circunstâncias, que suficientes contingentes populacionais
ali se fixassem, firmando os direitos de posse necessários para os
poder sustentar. Até então só havia notícia de terem sido enviados,
em 1692, os 260 açorianos chefiados por João Félix Antunes.
O que não deixa dúvida, é que o plano do povoamento era sàbiamente concebido e na sua irradiação pelo sertão brasileiro aconselhada sempre a prudência para «que não se dê justa razão de queixa
aos espanhoes confinantes».
Nem tentativa de posse além do que era nosso, nem contacto que
levasse a interferências recíprocas. Mas, insistente sempre a pretensão
espanhola, a razão a existir no fundamento em que a pomos, sofria
em 1777 uma prova desconcertante. Nesta data os espanhoes comandados por D. Pedro de Zebalos, ocuparam a ilha de Santa Catarina sem qualquer resistência. Não obstante os meios de defesa apreciáveis
que então existiam na ilha, nem um só tiro foi disparado.
Na sua tese e no capítulo intitulado — «Desorganização da vida
colonial» — o Dr. Oswaldo R. Cabral descreve esse lamentável sucesso para o qual se não encontra cabal explicação. Nem os sofrimentos
da população, nem a decadência do impulso colonial, são razões que
o justifiquem. Nem mesmo a miséria cria o desânimo na resistência ao
invasor. De resto, o núcleo principal da guarnição era de tropas de
profissão, estranhos à região, para ali enviados com antecedência e
devida organização.
Que a organização da colonização fôra cuidadosamente preparada
não resta dúvida. O conhecimento que nos dão os documentos publicados, são disso prova suficiente. Neles prevalece a preocupação de
ser constituída por gente de boa validez física e de sã organização
familiar.
O regulamento dos transportes (Anexo N.o 4 da tese) dá-nos
disso cabal conhecimento.
Começado o transporte em 1748, nos anos seguintes, até 1752,
foi efectuado com regularidade e com número sempre crescente de
casais. Segundo cópia (Anexo N.0
10) extraída pelo autor da tese do
livro Casaes do general Borges Fortes, se começou com 85 em 1748,
em 1750 atingia 326 casais e ainda se mantém com 269 em 1752.
É natural que os navios no regresso, sendo sempre os mesmos,
trouxessem notícia dos tormentos da viagem e da situação precária
encontrada pelos colonos ao chegarem ao seu destino.
A persistência da corrente emigratória demonstra que o temor,
aceitável pelo que a deficiente situação encontrada podesse despertar,
não diminuirá o entusiasmo e a esperança ao ponto de haver apreciáveis deserções na inscrição, aliás possíveis, porque era condição do
edital régio publicado pelas Câmaras das ilhas, ser para os «que
voluntariamente quizerem hir»
Tinham ido ao todo naqueles anos 1.057 casais com 5.236 pessoas, das quais 677 eram menores. Se havia já falta de gente para o
último transporte e se cita a necessidade de violências da autoridade
para obrigar ao embarque, o facfo pode encontrar explicação em várias
causas, no desânimo de alguns, possivelmente no arrependimento do
primeiro entusiasmo, na melhoria local duma situação precária anterior, mas mais seguramente no esgotamento da capacidade de emigração.
O alvará régio de D. José I, de 4 de Julho de 1758. proibindo a
emigração, ou seja seis anos depois dos últimos embarques, é disso
um indício. Notar-se-ia já a falta de braços para a lavoura e isso só
confirma, perante a superfície das ilhas e o número de pessoas embarcadas, aliás reduzidas na proporção a haver, que não fôra o aumento
demográfico que justificára a emigração dirigida, nem as condições
económicas precárias que desse facto podessem derivar, se fôsse aceitável considerar causa de ruína o aumento populacional.
Em verdade não tem apoio a dúvida do General Borges Fortes,
«se os trabalhos e contratempos sofridos pelos primeiros retirantes
seriam argumento contrário à intensificação da corrente emigratória».
Cessou a emigração dirigida pela providência do alvará régio referido.
Para a população que então existia, era já número respeitável
aquele volume de gente que partia. Mas ainda em 1756, segundo o
Dr. Oswaldo R. Cabral, no último transporte seguiram 520 pessoas.
Embora o arrolamento se fizesse nos Açores e na Madeira, o que
parece assente é que a grande massa de emigrantes foi constituída
com gente das ilhas açorianas. O general Borges Fortes indica para a
Madeira 21 casais com 99 pessoas maiores e 10 menores. O derradeiro navio, o daquela última data, que foi completar a sua lotação com
casais desta ilha, não deve ter levado número que ficasse pesando
apreciàvelmente entre a grande massa açoriana.
Também, segundo os dados do mesmo autor, quanto ao número
de pessoas falecidas na viagem e em terra, até ao fim de Julho de
1753, ou seja 355 indivíduos, dispersava-se o conhecimento e a saudade pela recordação dos parentes, sem carácter de alarme geral. Representava uma mortalidade de cêrca de 6,5 0
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ara aqueles
tempos seria ocorrência usual em viagens de tão longo curso, sem
reservas alimentares apropriadas e em tais circunstâncias de congestionamento a bordo. A isso se estava acostumado.
Os casais caminharam resoluta e esperançadamente para a terra
prometedora do Brasil, na mesma ância de triunfo como antes o faziam os que foram sòzinhos e por livre vontade.
A mercê régia do transporte à custa da sua fazenda, era um favor
e uma facilidade para todos os que queriam partir, olhos postos na
fortuna, que já tinham visto em muitos dos que isoladamente e à sua
custa anteriormente tinham seguido e depois voltado.
O seu poder de fixação à terra, a sua capacidade de trabalho, o
seu desejo de triunfo, transluz naquele documento de 5 de Novembro
de 1756, que o prof. Paiva Boléo encontrou no Arquivo Histórico
Colonial. São passados apenas quatro anos depois das levas sucessivas de 1748 a 1752 e nele — «Mapa das freguesias que tem a ilha
de Santa Catarina» — se encontra que em 9.758 almas, a população
se caracterizava do seguinte modo ;
casais das ilhas
1.084
filhos das ilhas
3.421
casais da terra
1.097
filhos da terra
3.446.
Nos casais da terra estariam já incluídos os que, segundo se
depreende das referências feitas anteriormente, desde 1677, havia 70
anos, ali se fixaram ?
O que o documento essencialmente indica, é que já existia a organização administrativa por freguesias, o que também afirma as possibilidades que começavam a nascer. O que era primordial à formação
social ia-se fundando com a colónia.
Mas que a situação precária dos colonos continuasse de compungente ruína, não o parecem confirmar os anos seguintes à libertação do território, certamente os mais angustiosos, os que dariam mais
que falar nas notícias aos parentes que ficaram nas ilhas, porque nas
investigações de Raimundo Belo publicadas nos Vol. V a IX deste
Boletim sobre A Emigração açoriana para o Brasil, encontramos dirigidas exponfâneamente, à sua custa, para as regiões do sul.deste pais, os indivíduos que a seguir se mencionam, todos eles
chamados por parentes que ali estavam e que por certo o não fariam
com o intuito de juntar à sua desfortuna aqueles a quem convidavam,
E assim partiram:
Em 1785 — 33 anos depois da colonização :
«João de Sousa, das Lagens, à Ilha de Santa Catarina, para a companhia de seu tio Padre Manuel de Sousa, que o mandara buscar para o favorecer».
Trata-se provàvelmente do P.e Manuel de Sousa de Menezes, que
fôra, nos termos da Provisão régia de 9 de Agosto de 1747 (Anexo
N.0
3 da tese), a qual «mandava avisar aos Bispos do Funchal e de
Angra, que convidem alguns clérigos daquelas Ilhas para irem em
companhia dos mesmos casais».
O autor da tese, no seu livro Assuntos Insulanos, a ele faz
referência, e eu também o encontro no Livro Genealógico, de Francisco Coelho Machado, como partindo para o Brasil, sendo aqui vigário da Vila Nova. Era de nobre linhagem, descendente de Álvaro
Gonçalves Camelo, um dos primeiros povoadores da Terceira, que se
dizia primo do Condestável D. Nuno Alvares Pereira e por linha
colateral foram buscar o apelido Menezes a troncos derivados da
Rainha D. Leonor Teles.
«João Borges Homem, dos Altares, à Ilha de Santa Catarina, a deligenciar procuração bastante de seu tio António
Correia Borges».
«José Coelho Machado de Melo, de Angra, ao Rio Grande
onde tem seu estabelecimento».
E isto significa que colhera proventos bastantes para poder vir e
voltar.
No citado Livro Genealógico, encontra-se um José Coelho
Machado Fagundes de Melo, filho do autor, que foi sargento-mór de
cavalaria em Vila Rica, tendo seguido para essas partes do Brasil à roda de 1745. Será o mesmo, indo depois para o Rio Grande nas
tropas da reconquista ?
Em 1789 — 37 anos depois da colonização:
«Francisco António Coelho da Costa Borges da Silveira,
de Angra, ao Rio Grande, com sua mulher D. Ignez Francisca
e 5 filhos menores, Manuel José Coelho, José Coelho, António
Coelho, D. Ana e D. Maria e um moço para o seu serviço chamado António Picanço».
Toda uma família com o seu serviçal, que pelo nome indica ser
de destacada posição social onde não faltaria boa fonte de informação para as possibilidades a haver ou para os dissabores a esperar,
ao que não haveria necessidade de sujeitar a mulher e os filhos menores.
«Maria Catarina Josefa, de Angra, à Ilha de Santa Catarina,
a procurar a companhia de seu marido José Inácio Ferreira,
que a mandara buscar com seus dois filhos menores, chamados
Josefa Mariana e Francisco José».
Caso que nos traz a convicção que tendo partido sozinho, posteriormente aos casais, tinha situação satisfatória, mandando buscar os
seus ao fim de pouco tempo, o que se deduz dos filhos serem ainda
menores, por ter encontrado meio favorável para a sua capacidade
de trabalho.
Em 1791 — 39 anos depois da colonização :
«Francisca Inacia e sua irmã Ana Teodora e sua sobrinha
Maria do Carmo, de Angra, à Ilha de Santa Catarina, para a
companhia de seu irmão o capitão Vicente Ferreira de Andrade, que as mandara buscar para as favorecer».
Outra pessoa de categoria a chamar duas irmãs, e não será aceitável que fôsse para as favorecer com penúria. Havia possibilidades já
para mulheres, nota evidente que o meio se desenvolvera.
«Padre Alexandre José Coelho da Costa, presbítero secular
da freguesia de S. Bartolomeu, ao Rio Pardo, a procurar a
companhia de seu cunhado o ajudante Pedro Inácio Borges,
que o mandava buscar, levando seu irmão João Jose Machado».
Em 1807 — 55 anos depois da colonização:
«Rosa Joaquina, natural do Faial, ao Rio Pardo, a procurar a companhia de sua irmã Joaquina Luiza e de seu cunhado
Carlos da Costa, que a mandaram buscar».
Para qual dos 4 Rios Pardos, conhecidos no Brasil, se dirigiam
estes emigrantes ? Será este Rio Pardo, a cidade e município do Estado do Rio Grande do Sul, na margem esquerda do Rio Jacuby, o de
S. Paulo, o de Minas Gerais ou o do Espírito Santo ?
Tudo leva a pensar que seja o do Rio Grande do Sul, não só
porque nunca para qualquer dos outros se acentuou a emigração,
como pela razão, mais conjecturável, de serem os que para ali tinham
ido nas levas da emigração dirigida, que mandavam buscar os seus.
E por isso julgo cabida a referência e com eles contar para o conceito
a formar sobre os resultados próximos desta colonização, e para o
pensar, encontro apoio nas referências que faz o general Borges Fortes
a casais fixados no Rio Pardo do Estado do Rio Grande do Sul.
Em 1819 — 67 anos depois da colonização:
«Luiza Maurícia, da Ribeira de Flamengos, à Vila de Porto
Alegre, do continente do Sul, para a companhia de seu marido
Francisco Silveira Azevedo, que a mandara buscar».
«José Marques Torres, natural da Ilha de Santa Catarina,
de 43 anos, tendo vindo ao Faial dispor da casa de seu pai, o
capitão António Marques Torres, e porque tivesse disposto das
ditas propriedades, regressa a Santa Catarina».
Indica o primeiro caso, que se trataria dum emigrante já posterior
ao embarque dos casais, que a fama da região não era má e que lhe era favorável a vida ; indica o segundo, que o seu pai seria um desses
colonos e que ele ali nascera, onde por certo encontrára meio propício, porque vinha liquidar os bens da sua casa para não mais voltar.
A exigência posta em todos, do conhecimento da razão para o
embarque, era determinante que subsistia, provàvelmente, do Alvará
de D. José I, de 4 de Julho de 1758, proibindo a saída de pessoa alguma sem causa justificada.
Provam estes dados de Raimundo Belo, que não obstante a situação angustiosa porque tinham passado os colonos, não ficàra no seu
ânimo nem na recordação familiar, a rejeição de possibilidades de
triunfo nas regiões do Sul do Brasil. São 23 pessoas que a partir de
33 anos passados sobre o último embarque, ainda para ali se dirigiam.
Falharam muitos ? Triunfaram poucos ?
É condição humana que nem todos possuem as mesmas capacidades. É mesmo perfeitamente aceitável e está já demonstrado, que o
colono, em geral, não é o melhor dotado. Ser pobre, para alguns sociólogos, é já condição de inferioridade e incapacidade pessoal.
O desejo de emigração, excluído o caso de espírito de aventura
ou propósito deliberado duma actividade definida, é já uma rebeldia
contra o seu meio ou uma manifestação de insuficiência. Nas colonizações dirigidas, não obstante as condições de selecção postas, não
escasseia o número dos que tem menos aptidões. Até se explica e o
justifica, o favorecimento e as ajudas do meio para a sua eliminação.
É natural que muitos tivessem essa deficiência pessoal.
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